Os capítulos da história da saúde pública no Brasil guardam episódios que, à luz do tempo, revelam injustiças profundas e desafios éticos ainda não superados. Entre eles, está a situação vivida pelos servidores da extinta Sucam, que nas décadas de 1980 e 1990 atuaram no combate à malária, enfrentando não apenas o desafio da doença, mas também o risco à própria saúde, ao manusearem substâncias tóxicas como DDT e BHC sem o devido conhecimento dos riscos e, muitas vezes, sem proteção adequada.
A exposição a esses produtos químicos, hoje reconhecidos mundialmente por seus potenciais danos à saúde humana e ao meio ambiente, deixou marcas profundas em muitos desses trabalhadores. O desenvolvimento de doenças, sintomas crônicos e a perda da qualidade de vida são relatos recorrentes entre os que participaram das campanhas de combate ao mosquito transmissor da malária. Além disso, as consequências se estendem às famílias desses servidores e às comunidades onde atuaram.
Três décadas depois, a luta por reconhecimento, reparação e assistência médica ainda mobiliza sindicatos, associações e lideranças políticas. A recente reunião virtual promovida pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Estado de Rondônia (Sindsef/RO), envolvendo a Comissão Nacional dos Intoxicados e o ex-senador Acir Gurgacz, é uma demonstração da persistência e da união desses trabalhadores em busca de justiça. O compromisso público assumido por representantes políticos, com o encaminhamento de audiência junto ao Ministério da Saúde e a tentativa de destravar a tramitação da PEC 101/2019, revela avanços, mas também expõe a morosidade histórica do Estado brasileiro em reconhecer e reparar danos causados por suas próprias políticas públicas.
É fundamental reconhecer que o combate à malária foi, e continua sendo, uma missão vital para a saúde coletiva, especialmente na região amazônica. Contudo, não se pode aceitar que aqueles que dedicaram sua vida a essa causa fiquem desamparados diante das consequências de seu trabalho. O Estado tem o dever moral e legal de garantir atendimento médico especializado, acompanhamento psicológico e indenização adequada a quem foi lesado por cumprir seu dever.
É preciso equilibrar a análise dos fatos: valorizar o papel dos servidores no avanço da saúde pública, mas também criticar, com maturidade, a negligência e a demora em oferecer respostas concretas. O caso dos ex-sucanzeiros intoxicados é emblemático de como o Brasil ainda precisa aprimorar suas políticas de proteção ao trabalhador e de reparação de danos históricos.
Que as mobilizações recentes contribuam para que, finalmente, justiça e dignidade sejam asseguradas a esses trabalhadores. Não se trata apenas de corrigir o passado, mas de afirmar um compromisso com o futuro, onde a saúde e a segurança do servidor público estejam no centro das políticas do Estado.
Diário da Amazônia