Porto Velho (RO)14 de Junho de 202508:13:30
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ZONA FRANCA E SUAS ORIGENS: As finanças impulsionadas pela dinâmica social e econômica da Economia da Borracha

Desde a criação da província, a arrecadação cresceu proporcionalmente às atividades produtivas e comerciais.


No primeiro artigo deste editorial, destacamos ao leitor que, entre as razões que levaram o governo imperial a não autorizar a elevação da Comarca do Alto Amazonas à categoria de Província durante a primeira metade do século XIX, estava justamente a insuficiência de rendas para suportar os custos administrativos, incluindo folha de pessoal, reconhecimento dos rios e aparelhamento público. Contudo, diante da urgência da ocupação das fronteiras, o governo optou por arcar com os custos iniciais até que a recém-criada província pudesse se sustentar com suas próprias receitas.

O primeiro indício de que a Província poderia alcançar independência financeira surgiu com a abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira, o que impulsionou o comércio e contribuiu para a elevação das rendas, promovendo o intercâmbio comercial entre a Amazônia, os países andinos, a América do Norte e a Europa.

O historiador Antônio Loureiro, em sua obra A Grande Crise, descreve as medidas adotadas pelo governo para ampliar a arrecadação, destacando:

• Em 1863, foi criada a Mesa de Rendas de Manaus, elevada à categoria de alfândega no mesmo ano;

• Em 1864, fundou-se a Mesa de Rendas de Tabatinga, visando atender às relações comerciais com o Peru;

• Posteriormente, foram instituídas as alfândegas de Borba e São Paulo de Olivença;

• Passou-se a cobrar impostos e taxas sobre casas comerciais, canoas de regatão, compra e venda de embarcações, rendas dos correios, sisa sobre bens de raiz (atual ITBI), dízima de chancelaria, selo de papel, emolumentos das repartições fazendárias, escravos, bens de defuntos, bens de ausentes e transações de gêneros

 

Desde a criação da província, a arrecadação cresceu proporcionalmente às atividades produtivas e comerciais. Em 1853, as rendas eram de pouco menos de 30 Contos de Réis (equivalente a R$ 1,68 milhão); em 1899, já ultrapassavam 25 mil contos (equivalente a R$ 1,4 bilhão) - conforme indicado na Figura 1.

 

Figura 1 - Arrecadação da Província do Amazonas, em Réis (1853 - 1899)


 

Fonte: Bastos (1937); Dias (2007)

1 Real (Réis no singular chama-se "Real") - R$ 0,056; 1 Mil-réis (Mil Réis) - R$ 56,00; 1 Conto de Réis (Mil-réis = 1.000 x 1.000 = 1.000.000 Réis); 1 Conto de Réis = R$ 56.000,00. O Cálculo não leva em consideração a inflação do período (disponível em: https://www.diniznumismatica.com/2022/04/nova-conversao-hipotetica-dos-reis-para.html.

 

A Província do Amazonas, então, se consolidou, e a Fazenda Pública passou a operar regularmente. Mas qual foi o principal fator para esse fenômeno? A elevação das receitas provenientes da importação de insumos (com alíquotas chegando a 35%) e da exportação da borracha (26%). A partir de então, a Fazenda Pública conseguiu financiar subvenções voltadas ao incentivo de serviços essenciais para as cidades amazônicas. Estes serviços, muitas vezes negligenciados devido à centralidade da borracha na economia, incluíam: navegação, expedições de naturalistas e de reconhecimento dos rios, contratos de fornecimento de alimentos diversos, projetos de imigração, financiamento de fazendas de gados e ajudas pecuniárias para transporte e alimentação de seringueiros.

Aureliano Tavares Bastos (1937) destaca que o governo brasileiro era tão dependente da navegação que frequentemente precisava aumentar as subvenções para manter as empresas operantes. De fato, as companhias que atuavam na Bacia Amazônica eram as que mais recebiam repasses do Estado (Tabela 1). Segundo Samuel Benchimol (1995), isso se justificava devido às grandes distâncias e à necessidade de embarcações de menor calado, capazes de navegar pelos altos cursos dos rios amazônicos, enfrentando bancos de areia, troncos e outras dificuldades que aumentavam os custos e riscos operacionais.

 

Tabela 1 - Subvenção, do governo brasileiro, à navegação a vapor, em 1866


Fonte: Bastos (1937, p. 185-187)

 

Em 1889, último ano do regime imperial, as receitas da exportação da borracha representavam 90% da arrecadação da Província do Amazonas, e a navegação continuava sendo a principal prioridade nos gastos públicos. Durante as primeiras duas décadas do regime republicano, a borracha permaneceu como o centro das finanças, chegando a representar 96,8% de todas as rendas de exportação do estado em 1908. Mesmo após a quebra do monopólio, em 1913, esse percentual ainda girava em torno de 95,8%.

Essa mesma dinâmica econômica, que sustentou as finanças da província e do estado do Amazonas durante a Economia da Borracha, também influenciou a estrutura social e territorial da região. As terras, florestas e águas de trabalho (parafraseando Antônio Carlos Witkoski) foram moldadas pelo sistema produtivo e logístico que viabilizou a extração da borracha - o aviamento. No próximo artigo deste editorial, abordaremos mais detalhadamente esse sistema.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

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