Porto Velho (RO)11 de Julho de 202506:10:22
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A urgência dos corredores exclusivos para ônibus

O fenômeno dos motofretistas, hoje onipresentes nas metrópoles, é uma resposta direta ao colapso logístico das cidades.


Nas últimas duas décadas, o transporte urbano brasileiro sofreu mutações profundas — e nem sempre conscientes. Em meio à expansão do consumo de automóveis e à multiplicação de motocicletas, especialmente voltadas a serviços de entrega, formou-se um ambiente urbano caótico, congestionado e perigoso. E, no epicentro dessa crise, encontra-se um modelo de cidade que negligenciou aquilo que deveria ser sua espinha dorsal: o transporte coletivo por ônibus.

O fenômeno dos motofretistas, hoje onipresentes nas metrópoles, é uma resposta direta ao colapso logístico das cidades. Estimulada pelo boom dos automóveis entre 2000 e 2015 — com incentivos fiscais e crédito farto — a frota cresceu, mas as vias não. A infraestrutura viária não se expandiu nem se adaptou. Quando surgiram os aplicativos de entrega e o e-commerce disparou, a solução natural foi a motocicleta: rápida, econômica, individual. Mas o custo foi alto.

Dados da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Tráfego) indicam que, em 2023, mais de 141,7 mil internações hospitalares no SUS envolveram motociclistas no Brasil, parte de um total de cerca de 260 mil sinistros de trânsito. Em capitais como São Paulo, motociclistas são um grupo altamente vulnerável, com estudos da Abramet apontando que 76% das vítimas graves de trânsito (incluindo pedestres e ciclistas) pertencem a categorias vulneráveis, sendo eles os mais afetados. Além disso, a convivência entre motos, carros e ônibus em faixas mistas acirrou o conflito viário e deteriorou ainda mais a fluidez do transporte coletivo.

A Lei Federal nº 12.587/2012 — que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana — é clara ao definir a prioridade do transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Contudo, na prática, essa prioridade raramente se concretiza.

A priorização do ônibus não pode ser apenas um princípio legal ou um projeto técnico; precisa se materializar em corredores exclusivos, contínuos, sinalizados e fiscalizados. A experiência de cidades como Curitiba (pioneira no BRT), Bogotá (com o modelo TransMilenio) e Rio de Janeiro (ainda que com problemas estruturais no BRT) demonstra que a separação física dos modais gera eficiência sistêmica: maior velocidade comercial, menor emissão de poluentes e redução de acidentes.

De forma pragmática, um ônibus que transporta 80 pessoas ocupando 15 metros de via tem mais direito ao espaço urbano do que 80 motocicletas ou 60 carros. A equidade na mobilidade não é tratar todos os veículos da mesma forma, mas sim tratar com prioridade aqueles que transportam mais, poluem menos e tornam a cidade mais humana.

A ausência de corredores exclusivos em muitas cidades brasileiras não é apenas omissão técnica; é reflexo de prioridades políticas equivocadas, influenciadas pelo lobby automotivo e por uma cultura que ainda valoriza o transporte individual como símbolo de progresso. Ao negligenciar o transporte por ônibus, as administrações públicas precarizam o deslocamento de quem mais precisa — o trabalhador da periferia, o estudante, o idoso.

A explosão dos motofretistas agrava esse quadro: em vez de desafogar o sistema, pressiona-o ainda mais. Motos circulam entre ônibus e carros, ocupam corredores irregulares, ignoram sinalizações em função da urgência das entregas — seja por imprudência deliberada, seja em razão da dinâmica econômica imposta pela remuneração atrelada ao volume de entregas e ao tempo de deslocamento. O risco se converte em rendimento. E a conta recai sobre todos.

A defesa dos corredores exclusivos para ônibus é, portanto, uma defesa da cidade viável, segura e justa. Motociclistas e motoristas não são inimigos; são sintomas distintos de um mesmo diagnóstico: a cidade brasileira foi loteada sem planejamento, cresceu sem eixo, adensou-se sem direção. Agora, diante de uma malha urbana saturada e de um sistema viário à beira da exaustão, é urgente recuperar a racionalidade do espaço público por meio de políticas estruturadas de mobilidade.

É preciso reconhecer que, se o transporte coletivo não for priorizado de forma concreta e duradoura, o cenário urbano tende à saturação definitiva — com prejuízo direto para a qualidade de vida e para a segurança viária.

Fernando Borges de Moraes, advogado, assessor jurídico da Diretoria do Sinetram.


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