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Os ministérios do Meio Ambiente e dos Transportes anunciaram um acordo inédito para destravar o debate em torno da pavimentação e restauração da rodovia BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A estrada, de aproximadamente 850 quilômetros, é a única ligação terrestre da capital amazonense com o restante do país e tem sido centro de polêmicas há décadas por conta de seu potencial impacto ambiental.
A retomada da discussão ocorre após anos de impasses entre ambientalistas, parlamentares e diferentes gestões federais. Em maio deste ano, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegou a deixar uma audiência no Senado após ser criticada por sua posição contrária à pavimentação da via. Agora, em uma atuação coordenada com a Casa Civil, os ministérios trabalham na elaboração de um plano de ação socioambiental para a região, considerado pré-condição para o avanço do processo de licenciamento da obra.
Segundo nota do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o plano prevê a implementação urgente de áreas protegidas, destinação de florestas públicas, reconhecimento de territórios de comunidades tradicionais, além de ações de fiscalização, combate à grilagem e prevenção de incêndios florestais. A proposta também inclui estratégias de regularização fundiária e ambiental para moradores da área e a recuperação de terras degradadas.
A região abrangida pelo plano será um raio de 50 km para cada lado da BR-319, considerada pelo MMA como um território "sensível e sujeito a pressões". A proposta será conduzida por dois colegiados interministeriais: um composto por ministros e outro por representantes técnicos, com ações planejadas em três eixos:
Pressão judicial e ambientalistas em alerta
Apesar do avanço nas tratativas entre os ministérios, a pavimentação da BR-319 segue judicialmente suspensa. Há duas semanas, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) restabeleceu a liminar que impede a reconstrução do trecho central da rodovia, conhecido como "trecho do meio", de 405 km. A decisão reverteu entendimento anterior da Corte que havia derrubado a suspensão.
A licença prévia concedida à obra no governo anterior, ainda sob a gestão Bolsonaro, também foi anulada em julho de 2024 por decisão da juíza Maria Elisa Andrade, em resposta a uma ação civil pública do Observatório do Clima. O grupo argumenta que a pavimentação da BR-319 pode gerar uma "explosão" de desmatamento no coração da Amazônia.
Pesquisadores como Lucas Ferrante, das universidades USP e Ufam, alertam para possíveis impactos irreversíveis. Segundo ele, a pavimentação comprometeria os chamados "rios voadores" — massas de vapor que regulam o clima em outras regiões —, afetando diretamente o abastecimento do Sistema Cantareira, em São Paulo. Ferrante ainda aponta riscos biológicos ligados à abertura da floresta, com liberação de vírus, fungos e bactérias de alta periculosidade.
— O governo está abrindo, conscientemente, uma verdadeira caixa de Pandora. Nossos estudos indicam que essa decisão pode custar milhões de vidas — afirmou o biólogo.
A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, considera que qualquer decisão sobre o asfaltamento antes de uma avaliação ambiental profunda seria "teatro".
Apesar das críticas, o MMA mantém a expectativa de que a implementação do plano permita "redução concreta de desmatamento, grilagem e incêndios" na região. Só então, segundo a pasta, será possível retomar a análise do licenciamento ambiental da BR-319 com foco na mitigação dos impactos socioambientais.
Portal SGC