“Sou polícia”: agente chorou após ser baleado por PM da Rota
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A câmera corporal do sargento Marcus Augusto Mendes, da Ronda Ostensiva Tobias Aguiar (Rota), filmou o momento que o PM atira contra o policial civil Rafael Moura, no último dia 11, em uma operação policial realizada no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. As imagens flagraram as últimas palavras do agente, que morreu em decorrência do disparo cinco dias depois.
Após levar o tiro, Rafael Moura cai chorando e diz, já praticamente sem forças: "Sou polícia, caralho". Ele já cai imóvel e fica apenas com os olhos abertos.
Após Rafael ser baleado, outros dois policiais civis questionam a ação do agente da Rota, gritam lamentando o ferimento do colega e cobram o acionamento do socorro. Ao longo do vídeo, um dos parceiros de Rafael chora com as mãos na cabeça e diz: "Pegou no peito, cara".
Logo após o disparo, o sargento Marcus fica nitidamente abalado, se afasta do local, vai até um parceiro e solicita o regaste. Ao retornar à cena, um policial civil faz menção em levantar a arma contra ele, mas desiste após ouvir as palavras "calma, calma", repetidas pelos agentes da Rota em diversas ocasiões durante o vídeo.
Outros policias civis chegam no local e começam a cobrar os dois agentes da Rota presentes na cena. Um deles chega a dizer: "Tá filmado essa porra, né?" (sic)". O sargento da PM diz que sim.
Nesse instante, o policial civil Marcos Santos de Sousa percebe que foi ferido de raspão na região da cintura.
Vítima não deveria estar na ação
Rafael ficou internado em estado grave no Hospital das Clínicas, onde morreu em decorrência do tiro, no dia 16. Diferentemente dos colegas de trabalho, o agente estava sem colete balístico ou identificação da Polícia Civil.
Fontes afirmaram ao Metrópoles que Rafael Moura não poderia integrar a equipe de policiais civis por não ser investigador.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) foi questionada sobre essa circunstância. Em nota, enviada na tarde desta segunda-feira (21/7), a pasta afirmou que a participação do agente de telecomunicação em uma atividade de campo está regulamentada "dentro da estrutura interna da instituição", como determina uma portaria da Delegacia Geral de Polícia.
Sobre ele não usar colete balístico, ou identificação, a pasta não se manifestou.
Nas imagens da câmera corporal do PM da Rota, é possível verificar que, segundos após ingressar na comunidade, o sargento se depara com o investigador Marcos Santos, que usa colete à prova de balas, mas não manifesta verbalmente sobre ser policial.
Aparentemente armado, Marcos levanta a mão direita, em uma suposta menção de apontar a arma. Atrás dele está Rafael Moura.
Em uma fração de segundo, o sargento da Rota atira, ferindo de raspão o primeiro policial civil e atinge no peito o agente de telecomunicações.
O que diz a defesa dos PMs
As defesas do sargento e do cabo Robson Santos Barreto, que também participou da ocorrência, pontuaram que os tiros dados pelo PM Marcus ocorreram "pelos seguintes motivos":
O policial civil não verbaliza e aponta uma arma para um policial ostensivamente fardado.
É possível notar que o policial civil está sem identificação e sem colete balístico.
A tomada de decisão em atirar foi legítima, tanto que os policiais (da Rota) não foram presos em flagrante.
Além disso, as defesas alegam que todo o socorro foi realizado pela técnica APH (atendimento pré-hospitalar).
Policiais civis investigavam latrocínio no local
Em dep0imento, o policial civil Marcos Santos de Sousa - que entrou com Moura no beco e foi baleado pelo PM - disse que eles estavam ali para apurar um caso de latrocínio (roubo com morte) ocorrido na região do Campo Limpo.
Ele acrescentou que estava na região havia cerca de 20 minutos, quando entrou no beco junto a outros policiais civis. Dois investigadores ficaram na entrada da viela e todos usavam distintivos, segundo o depoimento. Marcos afirmou que Rafael foi na frente, "e que progrediram de forma diligente e cautelosa, seguindo os protocolos operacionais da Polícia Civil".
Nas imagens, Rafael Moura não aparece com identificação da Polícia Civil.
Quando viraram à esquerda em uma bifurcação do beco, os agentes ouviram disparos de arma de fogo. O agente de telecomunicações caiu imediatamente. Marcos Santos puxou o colega para fora do beco, pensando se tratar de disparos de criminosos. O policial civil só notou que eram PMs quando avistou a boina e a farda dos militares.
O investigador afirmou, ainda, que gritou imediatamente que eram policiais civis. Nesse momento, segundo ele, os colegas que estavam na entrada do beco vieram prestar socorro. Conforme o depoimento, "os dois policiais militares se aproximaram e pareciam muito assustados". Os PMs passaram a realizar os primeiros socorros em Rafael. Só então Marcos percebeu que ele também havia sido atingido de raspão.
O investigador disse ainda que, antes de entrarem no beco, fizeram uma varredura visual e não avistaram ninguém no local. Também afirmou que "não houve qualquer tipo de abordagem ou verbalização" e que "o policial militar disparou sem falar nada". Nenhum policial civil atirou contra os PMs.
"Atira primeiro, pergunta depois"
Tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público de São Paulo (MPSP) destacaram que, um mês antes da ocorrência, a mesma dupla de PMs da Rota já havia se envolvido em outra ação letal a cerca de 500 metros do local, resultando na morte de um homem não identificado.
"Pois bem, com efeito trata-se do exato mesmo ‘modus operandi’ empregado pelos policiais militares, o popular ‘atira primeiro, pergunta depois’, em que ‘suspeitos’ são alvejados em suposta legítima defesa pelo simples fato de portarem armas, sem contudo restar evidenciada eventual injusta agressão ou sequer iminência desta", diz trecho da representação da Polícia Civil.
A instituição destacou o princípio da "necessidade estrita", em que a arma de fogo só pode ser disparada quando se mostra indispensável para proteger a vida diante de ameaça iminente, "devendo ser precedida por verbalização clara, tentativa de meios menos letais e planejamento que minimize riscos colaterais".
Nesse sentido, a análise da bodycam do sargento e do boletim de ocorrência da ação anterior, que também resultou em morte, mostra que o PM agiu em "desproporcionalidade flagrante".
"Diante desse contexto, a medida cautelar de suspensão do exercício da função pública revela-se necessária e proporcional, a fim de preservar a integridade da instrução criminal, evitar a reiteração de condutas lesivas e resguardar a confiança da sociedade nas instituições de segurança pública", afirmou o MPSP na representação que pediu o afastamento cautelar dos militares.
PM da Rota matou policial civil
O sargento Marcus Augusto Costa Mendes está sendo investigado por homicídio qualificado e foi afastado cautelarmente da Rota pelo prazo inicial de 90 dias, por determinação da Justiça, após a morte do policial civil Rafael Moura. Nesse período, ele vai receber acompanhamento psicológico.
Rafael, agente de telecomunicações do 3º Cerco da Polícia Civil de São Paulo, estava em uma incursão com um colega no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, no dia 11 de julho.
Em uma viela do bairro, o sargento Marcus e o cabo Robson Santos Barreto, também da Rota, encontraram Moura junto de outro policial civil.
Os investigadores estavam com distintivo e chegaram ao local em viatura caracterizada. Rafael não aparece com o distintivo nas imagens, ainda assim, o sargento Marcus atirou quatro vezes e alegou que acreditava se tratar de traficantes.
Rafael Moura foi atingido por três tiros e foi internado em estado grave no Hospital das Clínicas, onde morreu em 16/7.
O policial civil foi velado na Academia da Polícia Civil, na zona oeste de São Paulo, e sepultado no Cemitério da Saudade, em Taboão da Serra, região metropolitana.
Com a investigação, Marcus e Robson podem ser expulsos da PM e presos por homicídio.
Um mês antes do episódio em que Moura foi baleado, a dupla Marcus e Robson esteve em outra ocorrência com resultado letal no Capão Redondo, a 500 metros da viela onde encontraram os policiais civis. O fato pesou para que os militares fossem afastados e investigados.
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