O cancelamento de quase 63 mil títulos de eleitor em Rondônia, resultado da ausência não justificada em três eleições consecutivas, insere-se em um contexto que merece reflexão ponderada sob múltiplos ângulos. A medida, prevista pela legislação eleitoral, visa garantir a atualização do cadastro, assegurar a integridade do sistema eleitoral e reforçar o compromisso do cidadão com o processo democrático. Contudo, a aplicação automática dessa sanção levanta questões sobre a complexidade da relação entre o eleitor e o exercício do voto.
De um lado, a atualização do cadastro eleitoral é fundamental para a legitimidade das eleições. Manter listas infladas com eleitores inativos compromete a qualidade do registro e pode abrir espaço para fraudes ou inconsistências. O cancelamento, portanto, é uma ação técnica necessária para que o sistema reflita a realidade do eleitorado apto a votar, assegurando transparência e eficiência no processo eleitoral.
Por outro lado, o cancelamento automático pode não considerar plenamente as dificuldades e circunstâncias individuais que levam o eleitor a não comparecer às urnas. Problemas de mobilidade, falta de informação, desinteresse político ou até mesmo obstáculos logísticos podem impedir a participação do cidadão. Em regiões com desafios sociais e econômicos, como parte do interior de Rondônia, essas barreiras podem ser mais acentuadas, afetando especialmente grupos vulneráveis.
Além disso, o ato de cancelar o título eleitoral pode ter um efeito simbólico negativo, pois o voto, apesar de facultativo no Brasil para algumas faixas etárias, é um instrumento essencial de participação cidadã e de construção da democracia. A perda do título pode criar um distanciamento maior entre o cidadão e o sistema político, reforçando o sentimento de exclusão e apatia eleitoral.
É importante destacar que a legislação prevê mecanismos para a regularização do título, o que é positivo e necessário. A facilidade do sistema de Autoatendimento Eleitoral, acessível pela internet, é um avanço para que o eleitor possa retomar sua condição regular sem burocracia excessiva. No entanto, o acesso digital ainda não é universal, e o poder público deve garantir alternativas que alcancem também aqueles que estão fora da rede, para evitar a exclusão.
Portanto, o cancelamento dos títulos eleitorais por ausência não justificada é uma medida legítima e necessária para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, mas que deve ser acompanhada de políticas públicas que reduzam as barreiras à participação política.
O desafio está em equilibrar a atualização cadastral com a inclusão social, garantindo que o ato de votar continue sendo um direito acessível e valorizado por todos os cidadãos, independentemente de suas condições pessoais ou geográficas. A democracia se fortalece quando a participação é ampla, consciente e facilitada, não apenas quando se pune a ausência.
Diário da Amazônia