Em um país onde a mobilidade urbana é tratada como um problema pontual e não como uma política pública essencial ao desenvolvimento, os ataques à mobilidade começam no nível mais elementar: a calçada. Sim, a inexistência de calçadas seguras e contínuas para os pedestres já configura uma agressão cotidiana ao direito de ir e vir. Esse descaso é apenas o sintoma mais visível de um mal maior — a ausência de planejamento urbano integrado.
A Lei Federal nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelece diretrizes claras para a promoção de sistemas de transporte eficientes, acessíveis e sustentáveis. Em seu artigo 6º, afirma-se que a política de mobilidade deve priorizar os modos de transporte coletivo e os não motorizados, além de assegurar a acessibilidade universal. No entanto, a realidade das cidades brasileiras é marcada por um paradoxo: embora a legislação proponha integração, eficiência e sustentabilidade, os centros urbanos seguem num modelo caótico, fragmentado e excludente.
O Brasil importou dos Estados Unidos o modelo de transporte baseado no automóvel particular e talvez essa seja a origem de tantos conflitos urbanos. Adotamos o carro como protagonista da mobilidade sem, contudo, dispor do mesmo planejamento viário, da infraestrutura de amplas vias expressas e do ordenamento urbano horizontalizado que caracteriza os subúrbios americanos. Resultado: as cidades brasileiras vivem o colapso do trânsito, congestionamentos intermináveis, poluição crescente e, paradoxalmente, baixa eficiência nos deslocamentos.
Do outro lado do Atlântico, a Europa — mesmo com seu território mais restrito e centros históricos — optou por uma lógica inversa. Apostou no transporte coletivo de qualidade, investiu em metrôs, bondes, ônibus articulados, ciclovias e, principalmente, na integração entre os modais. Mais que isso: ali, o urbanismo é pensado para pessoas e não para carros. Ruas acessíveis, calçadas bem cuidadas, zonas de tráfego restrito e bairros compactos tornam o automóvel uma opção, não uma necessidade.
No Brasil, a mobilidade urbana é tratada como um problema de engenharia de tráfego, e não como uma política pública estruturante. Em vez de pensarmos em cidades inteligentes e integradas, permanecemos reféns de soluções improvisadas e de lobbies automotivos. A falta de calçadas, a desarticulação dos modais, a ausência de corredores exclusivos para ônibus e a expansão descontrolada das periferias revelam um descompromisso estrutural com a mobilidade.
Romper esse ciclo exige mais do que obras: exige visão de futuro, coragem política e respeito à lei. A mobilidade urbana não é um luxo técnico, mas um direito constitucionalmente reconhecido e um dever do poder público. Negar acesso a tal direito é perpetuar um modelo de cidade hostil, desigual e insustentável.
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