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Os crescentes casos de intoxicação por metanol assustam a população, principalmente aqueles que são adeptos ao consumo de bebida alcoólica, já que a adulteração é praticamente impossível de ser percebida. O DIA conversou com médicos para sanar as principais dúvidas sobre o que a substância pode causar.
O Ministério da Saúde anunciou que recebeu 217 notificações de intoxicação por metanol após consumo de bebida alcoólica. Desse total, 17 casos foram confirmados e 200 estão em investigação. O boletim mais recente com atualização dos casos foi divulgado pela pasta na noite desta segunda-feira (6). No estado do Rio, um caso suspeito está sendo investigado em São Pedro da Aldeia. Havia um segundo registro em investigação em Niterói, mas foi descartado pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro.
Ao site, o presidente do Capítulo Toxicologia Clínica, da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), Sergio Emmanuele Graff, explicou que o metanol é um álcool, assim como o etanol, que é o utilizado em bebidas destiladas.
"O metanol é um álcool, assim como o etanol, que é o que tem nas bebidas. Existem duas formas de se produzir metanol: natural, pela fermentação de frutas, verduras e madeira; e a sintética, que é uma forma química de produção a partir do gás metano. É normal ter traços de metanol em bebidas que sofrem processo de fermentação, mas em concentrações bem pequenininhas, que não fazem mal. Para uso industrial, como solvente, como matéria prima para produção de formol e de ácido fórmico, o processo é o industrial", detalha.
De acordo com a médica endocrinologista Fernanda Parra, os primeiros sintomas da intoxicação podem aparecer poucas horas após a ingestão do metanol. "Os sintomas são muito semelhantes, inclusive, à ressaca. São eles: dor de cabeça, enjoo, tontura… O que chama a atenção é que pode, em casos mais graves, ter visão embaçada, cegueira, que é o que a gente tem visto bastante", informa.
A médica orienta que, caso a pessoa não se sinta bem após a ingestão de bebida alcoólica, o serviço médico deve ser procurado o mais rápido possível. "O paciente precisa ir para um serviço de saúde o quanto antes e comentar que fez injeção de bebida e que está achando que estava contaminado, além de falar sobre esses sintomas, porque eles conseguem fazer um teste de sangue para ver se de fato está contaminado ou não e entrar com tratamento adequado o quanto antes", afirma.
"Os sintomas da intoxicação são divididos em dois grandes grupos: os iniciais e os tardios. A pessoa que toma metanol vai passar mais mal do que quem toma o etanol. A dor de cabeça é mais intensa, a náusea é mais intensa, os vômitos são mais intensos. Nessa fase inicial, que pode durar de 12 horas a 24 horas, é muito semelhante. Depois é que começa o quadro grave, muitas vezes irreversível, em que começa a ter o ataque ao nervo óptico e se começa a ter a visão embaçada e perda da visão", complementa Sergio.
Embora no Brasil ainda não haja o antídoto específico para o metanol, o Fomepizol, os casos podem ser tratados com etanol, outro tipo de álcool. No entanto, Fernanda alerta que a medicação não deve ser feita em casa, apenas em ambiente hospitalar.
"O etanol compete com a mesma enzima no fígado e pode fazer com que isso seja liberado na circulação. A administração é feita de forma endovenosa, só em ambiente hospitalar. Então, nada do pessoal tentar fazer isso em casa. Um outro tratamento que pode ser feito é a hemodiálise, que é mais invasiva, para tentar remover o metanol do corpo", explica.
"Tanto o etanol quanto o metanol utilizam um sistema enzimático que existe no ser humano, chamado desidrogenase alcoólica, para ser quebrado. Mas a via preferencial dessa desidrogenase é o etanol, por isso que este é o antídoto. Quando se tem o álcool normal, o etanol, no organismo, a desidrogenase vai preferir ele do que o metanol. E então o metanol vai ser eliminado na urina sem sofrer ou sofrendo muito pouca metabolização. Se eu tomar metanol e ele não for quebrado, nada vai acontecer, ele vai sair inalterado pela urina. O problema é quando o metanol é quebrado e vira ácido fórmico", afirma Sergio.
Para Fernanda, neste período em que os casos de intoxicação por metanol estão em alta, o ideal é evitar o consumo de bebida alcoólica destilada. "Isso exclui a cerveja e o vinho, por exemplo. Mas o principal cuidado agora é evitar o consumo. Tem uma festa, tem alguma coisa do tipo, ou vai sair com os amigos: evitar locais de procedência duvidosa, mas o quanto menos possível beber ainda nesse momento de contaminação, melhor", orienta.
Já Sergio, afirma que o cuidado deve ser dobrado até mesmo com as cervejas e vinhos. "Apesar de menos provável, não se pode descartar essa adulteração, porque se sabe como eles estão fazendo. Nessa fase, até serem descobertas as adulterações, se deve tomar muito cuidado com as bebidas. Os cuidados com bebida alcoólica valem tanto para metanol quanto para o ‘Boa Noite, Cinderela’, que eu sempre falo: evite tomar bebida em copo que já vem pronto, não abandone o copo de jeito nenhum, não deixe sozinho, prefira as bebidas que vêm em garrafas, porque é mais fácil de tomar conta e evite qualquer bebida que se tem dúvida sobre a origem".
"A intoxicação do metanol não é nenhuma novidade. Até hoje, nos últimos 20 ou 30 anos, a gente pega focos de intoxicação por metanol, mas dessa vez está muito espalhado. A intoxicação por metanol acontece há anos, mas não de forma tão disseminada e geograficamente tão espalhada", complementa Sergio.
Sobre o período de festas de fim de ano e a possibilidade de que garrafas contaminadas continuem encalhadas, Fernanda espera que as bebidas contaminadas sejam rastreadas até lá.
"As festas de fim de ano são um momento difícil. A gente torce para que isso não aconteça, para que as autoridades consigam rastrear todas essas bebidas contaminadas e tirar de circulação, mas a gente não consegue dizer 100% que isso não vai acontecer. Infelizmente, pode acontecer sim, de sobrar, ficar lá encalhada e nas festas de fim de ano, as intoxicações acontecerem novamente, infelizmente", lamenta.
De acordo com a médica, infelizmente não é possível identificar uma bebida que esteja adulterada com metanol. "A olho nu, é difícil, principalmente os destilados. Eles são muito semelhantes, o cheiro, a cor... É tudo muito parecido. Não tem como identificar. A orientação que fica é: se for sair para beber, não beba destilado. Fica na cervejinha, fica no vinho. Acho que é o menos pior de ingerir", complementa.
Entenda por que o metanol é tão tóxico
Embora o metanol seja muito parecido com o etanol, que é o álcool presente nas bebidas alcoólicas, o corpo humano os "enxerga" e os transforma de maneiras muito diferentes, como explica a Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
Quando ingerido, o organismo começa a "trabalhar" para transformar quimicamente o álcool dentro do corpo. Este processo se chama metabolização. No caso do metanol, a substância é metabolizada em formaldeído, conhecido como formol. Esta transformação é relativamente lenta e ocorre principalmente no fígado, embora já comece na mucosa gástrica.
Uma vez formado, o formaldeído é transformado muito rapidamente em ácido fórmico, que é encontrado naturalmente em formigas e abelhas. Este tipo de ácido é extremamente tóxico para o organismo humano.
"Além do metanol produzir o ácido fórmico, que é o responsável pela cegueira e pela acidose metabólica grave, ele também bloqueia a respiração celular. Então as células não conseguem mais formar ATP e não conseguem mais formar energia, falando a grosso modo", explica Sergio.
Segundo a SBQ, enquanto a dose letal do etanol puro gira em torno de 6 a 10 ml por quilo de peso corporal, a do metanol puro gira em torno de 1 a 2 ml por quilo de peso corporal. Isso significa que um adulto de 60 quilos pode morrer ao ingerir cerca de 60 ml de metanol puro. Para efeito de comparação, um drink costuma levar cerca de 50 ml de bebida destilada. Dependendo do volume de metanol, poucas doses já podem ser fatais se o envenenamento não for diagnosticado a tempo.
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