Porto Velho (RO)19 de Junho de 202506:09:55
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Diário da Amazônia

Quando a promoção do outro desperta a nossa sombra: as dinâmicas invisíveis da inveja no ambiente de trabalho

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Foto: Reprodução

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A ascensão de um colega no ambiente de trabalho, especialmente quando ele é próximo, competente e carismático, deveria ser uma ocasião para celebração. No entanto, em muitos casos, esse momento desencadeia uma série de reações emocionais e comportamentos que revelam um lado menos nobre das relações humanas. Fofocas, distanciamento velado, boicotes sutis, sabotagem explícita, mudança de tratamento e até mesmo perseguição — tudo isso pode ser despertado por uma simples promoção. Por que isso acontece? O que há por trás desse ressentimento? Neste texto proponho um olhar psicológico, sociológico e ético sobre o tema, com base em pensadores clássicos e estudos contemporâneos, com vista a ajudar quem sofre com o problema e a esclarecer a quem, às vezes, se torna parte do problema a se conscientizar para evitar o fomento desse tipo de situação.

A raiz emocional

A promoção de um colega muitas vezes mexe com o próprio senso de valor dos demais membros da equipe. Como afirmou Theodor Adorno, a inveja não nasce apenas do desejo de possuir o que o outro tem, mas do desgosto de ver no outro um reflexo daquilo que sentimos que não conseguimos ser. Esse sentimento se intensifica quando o promovido era alguém "do mesmo nível", pois rompe a ilusão de igualdade e expõe a hierarquia latente.

O psicólogo Sigmund Freud tratou do "narcisismo das pequenas diferenças" — a tendência de rivalizar mais intensamente com os que são mais parecidos conosco do que com os claramente superiores ou inferiores. Isso ajuda a explicar por que a promoção de alguém da equipe incomoda mais do que a de alguém externo.

O ressentimento velado e suas manifestações

O ressentimento raramente é declarado abertamente. Ele aparece de forma sutil: afastamento repentino, respostas secas, exclusões de reuniões informais, olhares de desdém. Em casos mais graves, o promovido se torna alvo de boatos, insinuações maliciosas e falsas acusações, um fenômeno que o sociólogo Pierre Bourdieu chamaria de "violência simbólica" — um tipo de agressão invisível, mas poderosa, que mina a imagem e a autoestima da vítima.

Segundo a pesquisadora Shandra Whitehead, da Harvard Business Review, ambientes competitivos com pouca valorização do trabalho coletivo favorecem esse tipo de cultura, pois instigam a lógica do "suba ou seja pisado". Nesse clima, a promoção de um vira automaticamente a "derrota" dos demais.

A desumanização do novo líder

Outro aspecto recorrente é a mudança de percepção sobre a pessoa promovida. Aquele que antes era "parceiro", "amigo", "igual", passa a ser visto com desconfiança: "mudou depois que subiu", "agora se acha", "só conseguiu por causa de X ou Y". Ainda que a conduta da pessoa continue ética e empática, os colegas podem projetar nela frustrações internas. O filósofo René Girard, com sua teoria do desejo mimético, já explicava que o desejo pelo que o outro tem inevitavelmente leva à rivalidade, pois o outro se torna o obstáculo ao nosso desejo.

Essa rivalidade silenciosa pode se converter em verdadeiro boicote emocional: ignorar ideias, desmerecer atitudes, não colaborar com demandas, ou até mesmo sabotar projetos sob liderança do novo gestor. E tudo isso pode acontecer sem que nenhuma palavra seja dita — mas com um peso destrutivo no clima organizacional.

O impacto em quem sofre com isso

Para quem foi promovido e passa a enfrentar esse tipo de hostilidade, o impacto psicológico é profundo: culpa injustificada, estresse constante, queda de desempenho, vontade de desistir da função ou até de sair da empresa. Segundo a psicóloga organizacional Tasha Eurich, autora de Insight, a falta de apoio no momento da ascensão pode gerar o chamado "síndrome do impostor reverso": a sensação de que a promoção não foi merecida justamente por conta da rejeição dos colegas.

A solidão da liderança, já conhecida nos círculos executivos, é agravada quando ela vem acompanhada do rompimento de laços de confiança dentro da equipe.

Um chamado à consciência

Para quem está sofrendo: é fundamental compreender que a rejeição dos colegas nem sempre reflete algo real sobre sua conduta ou mérito, mas sim emoções mal resolvidas que o outro ainda não sabe lidar. Buscar apoio na liderança superior, fazer acompanhamento psicológico, e manter a integridade e a transparência são atitudes que ajudam a resistir ao isolamento emocional.

Para quem sente inveja ou frustração: o primeiro passo é reconhecer e aceitar a própria emoção, sem se envergonhar dela. Todos sentimos inveja em algum momento, mas temos a responsabilidade ética de não deixar esse sentimento virar veneno. Como dizia Nietzsche, "aquele que combate monstros deve cuidar para não se tornar um deles". O sucesso do outro não é a nossa derrota.

Reflexão

Promoções e mudanças de posição são naturais em qualquer ambiente profissional. O que não deveria ser natural — mas muitas vezes é — são as dinâmicas tóxicas que surgem a partir disso, movidas por medo, insegurança, vaidade e imaturidade emocional. O crescimento de alguém da equipe deveria ser visto como um sinal de que o sucesso é possível para todos. Quando não é, é sinal de que o grupo ainda precisa amadurecer emocionalmente.

Seja você o promovido, o que observa ou o que sente incômodo com a mudança: é hora de olhar para dentro, refletir sobre suas reações e buscar ser parte da construção de um ambiente mais saudável e maduro. Afinal, no mundo do trabalho, vencer não deveria significar derrotar o outro, mas crescer junto.

Fernando Pereira

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