Ecovale I
O tempo da natureza não se apressa. Segue ritmos próprios, determinados por sinais que escapam ao calendário humano. No Vale do Guaporé, em Rondônia, a recente desova das tartarugas-da-Amazônia, iniciada após longo atraso, reafirma esse compasso. O fenômeno demonstra que o ambiente responde a estímulos complexos — cheias tardias, variações de temperatura e regime irregular de chuvas —, refletindo a sensibilidade dos ecossistemas amazônicos às mudanças ambientais.
O atraso observado neste ano não é um fato isolado. Representa um alerta sobre o quanto a fauna e os ciclos biológicos estão sujeitos às transformações do clima. A alteração nos períodos de cheia e o desequilíbrio térmico interferem diretamente na reprodução de espécies que dependem de condições estáveis para completar seus ciclos. Cada variação climática, por menor que pareça, repercute em todo o conjunto natural. O início tardio da desova é um lembrete de que o equilíbrio ecológico exige atenção permanente.
Diante disso, o acompanhamento técnico e institucional torna-se indispensável. O trabalho de monitoramento realizado por equipes ambientais e pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa reforça o papel das instituições públicas na proteção dos ecossistemas. A observação contínua permite compreender os efeitos das mudanças climáticas e orientar políticas de prevenção. Assim, o registro do fenômeno natural se converte em instrumento de gestão e de planejamento ambiental.
A atualização do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Rondônia, conduzida neste período, também cumpre essa função. O zoneamento não é apenas um mapa de restrições, mas um guia de uso racional do território. Ao definir áreas de produção e de preservação, o instrumento propõe equilíbrio entre o desenvolvimento e a conservação. É uma forma de garantir que o crescimento econômico não comprometa os processos naturais que sustentam a vida.
A desova tardia demonstra que a natureza ajusta seu tempo, mas depende da estabilidade dos ambientes que o homem modifica. A proteção das praias do Guaporé exige mais que ações pontuais: requer planejamento contínuo e integração entre poder público, pesquisadores e comunidades locais. Cada ciclo concluído resulta de decisões baseadas em observação e responsabilidade compartilhada.
O desafio é conciliar o tempo da natureza com o tempo da gestão. O primeiro segue sinais do instinto; o segundo, prazos administrativos. Quando esses ritmos se encontram, a vida se renova. No Guaporé, o retorno das tartarugas mostra que ainda é possível equilibrar preservação e desenvolvimento, desde que o compromisso ambiental se mantenha constante e o olhar sobre a floresta permaneça vigilante.
Diário da Amazônia