Porto Velho (RO)04 de Julho de 202511:35:18
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Amazonas

ZONA FRANCA E SUAS ORIGENS: As razões que levaram ao declínio da economia da borracha no início do século XX

Podemos afirmar que as sementes do declínio da economia da borracha foram lançadas pelo menos 50 anos antes da perda do monopólio para a Ásia, em 1912


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Hoje, ao observarmos o passado e compreendermos os acontecimentos em sua ordem cronológica, podemos afirmar que as sementes do declínio da economia da borracha foram lançadas pelo menos 50 anos antes da perda do monopólio para a Ásia, em 1912. O editorial de hoje explicitará alguns detalhes que tornarão essa afirmação mais compreensível.

Quando o governo provincial iniciou, em 1852, os estudos de reconhecimento dos rios com o objetivo de compreender os potenciais produtivos da região, a descoberta dos "rios bons de seringa" despertou o interesse mundial pela Amazônia. Afinal, a borracha passou a ter inúmeras utilidades e seu consumo tornou-se um indicativo da prosperidade das nações. A borracha virou uma medida simbólica do Welfare State: países com baixo consumo eram considerados pobres, cujas camadas sociais desconheciam a beleza, o conforto, a higiene e a economia. Assim, a borracha tornou-se um produto estratégico na aproximação comercial entre Estados Unidos, Inglaterra e a economia amazônica.

A essencialidade do produto para o desenvolvimento tecnológico industrial, especialmente na Inglaterra, motivou o desejo de domesticar as árvores produtoras de látex, o que gerou um sistema intenso de tráfico de sementes ao redor do mundo. Warren Dean (1989) destaca que, ironicamente, foi um brasileiro o autor da primeira proposta de cultivo racional da seringueira: João Martins da Silva Coutinho, que em 1861 sugeriu às províncias do Amazonas e do Pará a organização da produção. Em 1867, durante uma exposição em Paris, Coutinho apresentou pesquisas demonstrando as vantagens da Hevea brasiliensis frente a outras espécies, incluindo estimativas de custo para a implantação de seringais. Seu relatório foi posteriormente publicado em Londres pelo botânico James Collins, que levou o tema às academias científicas europeias.

Clements R. Markham, da Royal Geographic Society — responsável pela transferência da Chinchona (árvore produtora de quinino usado no tratamento da malária) para Java no início do século XIX — decidiu apoiar o cultivo da seringueira e solicitou ajuda ao Jardim Botânico de Kew, em Londres. A administração do Kew Gardens indicou Henry Wickham, botânico inglês residente em Santarém (PA), para comandar a operação de contrabando. Assim, em 1876, Wickham embarcou mais de 70 mil sementes de Hevea brasiliensis para Londres. Após germinarem, os exemplares foram enviados ao Ceilão (Sri Lanka) e à Malásia, e começaram a produzir sementes em 1882, sendo então distribuídos para outras colônias britânicas. O feito rendeu a Wickham o título de cavaleiro pela Rainha em 1920 — Sir Henry Wickham.

Entre 1861 e 1882, a borracha tornou-se pauta recorrente na comunidade científica e industrial. Da indicação da viabilidade ao cultivo até a efetiva distribuição de sementes na Ásia, passaram-se 21 anos. Nesse período, descobriu-se que uma seringueira levava de seis a sete anos para atingir a idade adulta, momento em que podia fornecer sementes e látex para uso industrial. A compreensão aprofundada da espécie permitiu aos cientistas britânicos projetar seu futuro com base em técnicas racionais.

Entre 1882 e 1912, os investimentos do Jardim Botânico de Kew — financiados pelo mesmo capital que sustentava os seringais amazônicos — passaram a focar no desenvolvimento de técnicas de cultivo, extração, melhoramento genético e aumento da produtividade.

Enquanto isso, a produção de borracha no Brasil permanecia extensiva, dependendo da abertura de novas "estradas de seringueiras". Observemos a complexidade desse modelo:

• Cosme Ferreira Filho (1965), ao explicar os motivos da derrota brasileira na "batalha da borracha", menciona que essas "estradas" ligavam as árvores dispersas na floresta, sendo raras as que ultrapassavam 15 exemplares por 10 mil m² de mata nativa.

• Arthur Cézar Ferreira Reis (1989) afirmou que, para ser economicamente viável, uma estrada de seringueiras deveria conter até 200 árvores.

• Assim, um seringal nativo exigia cerca de 130 mil m² de floresta para ser explorado, dada a dispersão das árvores.

Enquanto os seringais asiáticos eram cultivados de forma intensiva e racional, aumentando a produtividade por investimento e por trabalhador, na Amazônia o custo era significativamente maior: em 1910, gastava-se cerca de 337 libras por seringueiro; na Ásia, o investimento por trabalhador era de apenas 210 libras. A Amazônia empregava cerca de 150 mil trabalhadores, que enfrentavam os perigos da floresta, além de carências alimentares, econômicas e psicológicas. A produtividade média por trabalhador era de 230 kg/ano, contra até 2 toneladas anuais nos seringais asiáticos, cuja densidade de árvores por hectare era muito superior.

O alto índice de mortalidade na Amazônia encarecia ainda mais a produção, exigindo recrutamento constante de mão de obra — problema inexistente nas plantações asiáticas. Tentativas de aumentar a produtividade com técnicas rudimentares como "aroccho" e "mutá" consistiam em prensar o tronco das árvores para sangrá-las ao máximo, levando-as à morte.

Além disso, a produção silvestre amazônica enfrentava o "mal-das-folhas", fungo que atacava as plantações, comprometendo o crescimento e a produtividade. Já na Ásia, o fungo não se alastrava: fora do habitat natural da seringueira, o oceano funcionava como barreira ecológica, impedindo a proliferação da praga.

Por fim, enquanto o investimento europeu se voltava para Ciência, Tecnologia e Inovação, na Amazônia os lucros eram canalizados para o embelezamento das cidades e infraestrutura urbana. O governo central ainda destinava parte dos recursos da borracha para outras regiões do país, como os projetos voltados à cultura cafeeira. Em outras palavras — além do contrabando das sementes — o que determinou o fim do monopólio amazônico foi a decisão europeia de investir pesadamente em inovação.

No próximo editorial, trataremos do Contexto da Crise Financeira que assolou a economia da borracha no início do século XX.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

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