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Amazonas

Porto Franco: As Bases de um Novo Modelo Econômico para a Amazônia

Naquele período, a Ásia ainda não se consolidara como polo comercial, e os principais mercados de insumos eram os Estados Unidos e a Europa.


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Antes de apresentar o marco regulatório que deu origem à Zona Franca de Manaus, é fundamental contextualizar o cenário local e global vigente à época da proposta legislativa. Só assim o leitor poderá compreender plenamente as motivações que embasaram o documento.

Ao longo de quase um século, o Amazonas — especialmente Manaus — desenvolveu um modelo econômico baseado no poliextrativismo, tendo a borracha como principal produto, sustentado pela logística de transporte fluvial. Na década de 1950, a aviação comercial ainda era incipiente ou inacessível à realidade amazônica, e o comércio exterior dependia fortemente da navegação pelo Oceano Atlântico.

Naquele período, a Ásia ainda não se consolidara como polo comercial, e os principais mercados de insumos eram os Estados Unidos e a Europa. Assim como ocorrera na época da abertura do Rio Amazonas à navegação internacional, os países andinos, amparados por acordos de livre navegação, utilizavam essa rota para acessar os mercados externos.

Foi nesse contexto que, em 24 de outubro de 1951, foi protocolada na Câmara Federal, no Rio de Janeiro, a proposta de criação de um Porto Franco em Manaus. Coincidência ou não, a data é especialmente simbólica, pois marca o aniversário de fundação da cidade (Figura 1).

 Figura 1 - Protocolo do Projeto de Lei nº 1.351/1951



Fonte: Câmara Federal, 1951.

 O Projeto de Lei nº 1.310/1951 apresentou uma exposição de motivos detalhada, que evidenciava as razões pelas quais o Estado brasileiro deveria adotar um novo modelo de desenvolvimento econômico. Entre os principais pontos, destacam-se:

 • Justificativa internacional: o porto franco foi concebido como gesto de solidariedade continental e boa vizinhança, auxiliando países amazônicos vizinhos (Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela) a superar suas dificuldades comerciais. Esses países exportavam produtos in natura e de baixo valor agregado aos mercados europeu e americano. O beneficiamento em Manaus antes da remessa final ao exterior elevaria sua competitividade.

• Localização estratégica de Manaus: Manaus, situada no centro geográfico da bacia amazônica, era o último porto acessível à navegação de grande porte e funcionava como ponto de irradiação para a navegação fluvial rumo às fronteiras. Assim, oferecia vantagem logística significativa em relação a Belém, com economia de cerca de 1.000 milhas marítimas.

• Problemas enfrentados: A exportação de produtos em estado bruto (como borracha, madeira e castanhas) gerava perdas expressivas de valor. A ausência de beneficiamento, somada às barreiras alfandegárias e à logística cara e lenta, resultava em estoques reduzidos, preços elevados e baixa rentabilidade para os produtores amazônicos.

• Vantagens internacionais do porto franco: o porto franco permitiria o beneficiamento local dos produtos, ampliando seu valor agregado, além de facilitar o fluxo de importação e exportação dos países vizinhos. Isso reforçaria a integração regional e consolidaria o Brasil como protagonista da cooperação amazônica.

• Vantagens nacionais e regionais: o projeto visava garantir abastecimento mais regular e preços estáveis na Amazônia. Com a redução da necessidade de grandes imobilizações de capital para importações e a possibilidade de armazenagem em armazéns privados dentro da área franca, sem cobrança antecipada de tributos, as empresas poderiam formar estoques estratégicos em Manaus para atender tanto o mercado brasileiro quanto o estrangeiro.

 Na exposição de motivos do Projeto de Lei nº 1.310/1951, o deputado Francisco Pereira da Silva delineou com precisão como o Porto Franco reformaria os rumos da economia local, enfrentando a precariedade do comércio, estimulando o desenvolvimento socioeconômico da região e oferecendo ao Estado brasileiro uma iniciativa de grande alcance administrativo e diplomático. Defendido como solução logística, econômica e política, o Porto Franco beneficiaria o Brasil e seus vizinhos amazônicos ao eliminar barreiras alfandegárias, viabilizar o beneficiamento de produtos, garantir abastecimento mais estável e fortalecer a integração regional.

No próximo editorial, abordaremos o trâmite legislativo do projeto, as alterações incorporadas e sua transformação em lei.

 

 Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

 

Referências citadas:

 CÂMARA FEDERAL. Projeto de Lei nº 1.310, de 1951. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1220464&filename=Dossie-PL%201310/1951. Acesso em: 10 set 2025.

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