Porto Velho (RO)30 de Setembro de 202514:45:11
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Amazonas

MARCOS REGULATÓRIOS: Na tramitação legislativa o Porto Franco se transforma na Zona Franca

Da ideia de porto franco à criação da Zona Franca de Manaus: um projeto de 1951 que levou seis anos de debates até virar lei


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O Projeto de Lei nº 1.310/1951 foi convertido em lei apenas em 1957, ou seja, quase seis anos após seu protocolo inicial — foram exatos 2.055 dias de tramitação no Congresso Nacional. Ao longo desse período, entre discussões e paralisações, pontos estratégicos foram ajustados, transformando o conceito original de porto franco na proposta da Zona Franca de Manaus.

Após ser protocolado em outubro de 1951, o projeto teve seu primeiro andamento apenas em agosto de 1952, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) ouviu o Ministério da Fazenda sobre a matéria. Na ocasião, o ministério manifestou-se pela "inoportunidade" e "desnecessidade" do projeto, alegando questões técnicas relacionadas a tratados internacionais e acordos comerciais.

Na discussão inicial, o relator do projeto na CCJ, deputado federal pelo Rio de Janeiro Maurício Joppert, destacou que a terminologia "porto franco" se referia a uma organização portuária de livre comércio já em desuso, substituída em diversos países pela "zona franca". A principal diferença entre os dois modelos residia no fato de que, na zona franca, as mercadorias não apenas eram armazenadas, mas também transformadas em instalações industriais, podendo ser reembarcadas para o exterior. Os tributos só incidiam quando os produtos saíam como matérias-primas ou artigos manufaturados destinados ao consumo interno.

Outro ponto relevante na tramitação do projeto junto à CCJ dizia respeito ao artigo 6º original, que previa isenção total de tributos, inclusive taxas de armazenagem. Tal medida representaria um custo excessivo ao Estado brasileiro, ao conceder benefícios sem contrapartida financeira para sua manutenção, onerando o erário público.

Diante dessas observações, o relator propôs duas emendas ao projeto: a substituição do conceito de porto franco por zona franca e a revisão do artigo 6º, que passou a prever o pagamento de taxas de armazenagem, justificando os custos operacionais e de manutenção. Em sua justificativa, a relatoria ressaltou que Manaus era o centro geográfico de distribuição da Amazônia, com acesso em todas as direções. À época, o trajeto entre Belém e Manaus exigia cerca de mil milhas marítimas — uma distância considerável que justificava a concessão de benefícios. O parecer também discordou da posição do Ministério da Fazenda, argumentando que a criação de uma zona franca em Manaus traria múltiplas vantagens ao Brasil, tornando o porto da cidade um polo de atração para a navegação internacional.

Após aprovação na CCJ, o projeto deveria seguir para outras comissões, mas permaneceu parado até agosto de 1955. A retomada ocorreu após o encontro entre o presidente Getúlio Vargas e o presidente do Peru, Manuel Odría, quando foram firmados acordos de livre comércio entre os portos amazônicos dos dois países. Esse contexto levou o Ministério da Fazenda — anteriormente contrário ao projeto — a solicitar novo parecer da Câmara, por ordem do presidente da República, apresentando 23 razões para a criação de uma política de desenvolvimento para o estado do Amazonas.

"A Amazônia, notadamente o Estado do Amazonas, padece do mal decorrente da sua situação geográfica no território brasileiro. Distante dos maiores centros produtores, onde mais se acentuou o progresso, deficientemente servido pelos sistemas de comunicação, quer marítimos, quer terrestres, bem como aéreos, sofre, com o maior rigor, os efeitos do isolamento em que o colocou a sua condição de Estado do Extremo Norte. O intercâmbio comercial, que poderia ser intensificado se lhe acudissem, em tempo hábil, com os elementos essenciais à exploração e aproveitamento das suas inúmeras riquezas naturais, jamais teve a continuidade de seu desenvolvimento Até hoje, vem o Amazonas vivendo dificilmente de seus, recursos naturais, alimentando-se do pouco que pode, à custa de ingentes esforços dos seus filhos, obter da própria natureza ".

 

O projeto só voltou a tramitar em outubro de 1956, sendo encaminhado às Comissões de Transporte e Aviação e de Finanças. Esta última contou com o apoio da Comissão de Planejamento da Valorização Econômica da Amazônia, que se manifestou favoravelmente à iniciativa, reconhecendo sua conveniência e necessidade diante dos benefícios indiscutíveis que uma zona franca em Manaus traria à região, ao comércio e à população local.

Entretanto, foi um evento ocorrido no Peru — a criação da Zona Franca de Iquitos, fruto do acordo firmado com o Brasil no governo Vargas — que atraiu grande fluxo de embarcações e comércio, que levou o governo de Juscelino Kubitschek a compreender o papel estratégico do projeto da Zona Franca de Manaus. Vejamos o que diz o trecho do Relatório da Comissão de Finanças (Figura 1):

 

Figura 1 - Trecho do Relatório da Comissão de Finanças, de 10/10/1956



Fonte: Tramitação do PL 1.310, de 1951

 

O relatório da Comissão de Finanças da Câmara concluiu: "Lamentável é que há muito tempo já não tenha sido iniciada essa política alfandegaria por parte do Brasil, evitando-se que outras nações mais avisadas venham usufruindo as vantagens fiscais e comerciais que desde muito deveriam estar enriquecendo a nossa economia".

O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 22 de novembro de 1956 e, no mesmo dia, remetido ao Senado Federal. Após seis meses de tramitação, foi convertido, sem alterações, na Lei nº 3.173/1957, sancionada em 6 de junho de 1957, marcando o início de um novo ciclo de desenvolvimento para a Amazônia Ocidental, especialmente para o estado do Amazonas.

No próximo editorial, trataremos das transformações iniciais decorrentes da implantação da Zona Franca de Manaus.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

 

Referências citadas:

 

CÂMARA FEDERAL. Projeto de Lei nº 1.310, de 1951. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1220464&filename=Dossie-PL%201310/1951. Acesso em: 10 set 2025.

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