Lara Abreu / Arte Metrópoles
O envio de tropas federais para a Califórnia pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu o embate político entre republicanos e democratas em torno de temas sensíveis como imigração, segurança pública e os limites da autoridade presidencial.
A decisão foi tomada após a eclosão de protestos em Los Angeles na última sexta-feira (6/6), desencadeados por operações do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). Parte das manifestações ocorreu de forma pacífica, mas houve episódios de confronto com a polícia, incêndio de veículos autônomos e bloqueios em rodovias.
O que está acontecendo na Califórnia
Manifestações começaram na sexta-feira (6/6) em Los Angeles e cidades próximas, em resposta à intensificação das ações de imigração promovidas pelo governo federal.
Os protestos resultaram em confrontos com as forças de segurança. Houve episódios de violência e dezenas de pessoas foram detidas durante os atos.
No mesmo dia do início dos protestos, ao menos 44 pessoas foram presas por agentes federais de imigração, aumentando a tensão na região.
As prisões fazem parte de uma campanha nacional de repressão à imigração irregular, promovida pelo ex-presidente Donald Trump, com batidas e deportações em diversos estados.
Trump ordenou o envio de quase 300 soldados da Guarda Nacional à cidade, sem o aval do governador da Califórnia, Gavin Newsom.
A medida foi contestada por Newsom, que a classificou como inconstitucional e afirmou que o estado tem capacidade de lidar com os protestos sem ajuda externa.
Essa é a primeira vez em décadas que um presidente dos EUA envia tropas da Guarda Nacional a um estado sem a solicitação ou consentimento do governador.
As imagens de desordem tomaram conta da mídia e das redes sociais, e rapidamente se transformaram em munição política. Para os republicanos, a crise representou uma oportunidade de desviar a atenção dos impasses internos que enfrentam há meses, como as divisões sobre propostas de reforma tributária e de gastos públicos, além do desconforto crescente com o afastamento entre Trump e o empresário Elon Musk.
Agora, com os holofotes voltados para os protestos e a resposta federal, os republicanos conseguem redirecionar o debate público para aquilo que consideram as maiores fragilidades dos democratas: imigração, aplicação da lei e desordem urbana, temas que também têm forte apelo junto a parte expressiva do eleitorado.
Pressão sobre os democratas
Diante das cenas de violência, parlamentares democratas passaram a cobrar uma resposta clara do próprio partido. O senador John Fetterman, da Pensilvânia, foi incisivo.
"Eu defendo sem reservas a liberdade de expressão, manifestações pacíficas e imigração, mas isso não é tudo. Isto é anarquia e verdadeiro caos. Meu partido perde a superioridade moral quando nos recusamos a condenar incendiar carros, destruir prédios e agredir autoridades policiais", declarou Fetterman no X (antigo Twitter).
Outros nomes de peso também se manifestaram. O senador Bernie Sanders, de Vermont, declarou que "protestos violentos são contraproducentes e seguem a estratégia de Trump".
"O Dr. King derrotou autoridades governamentais racistas e acabou com a segregação por meio de resistência disciplinada e não violenta. Derrotar o trumpismo, a oligarquia e o autoritarismo exige o mesmo nível de disciplina. Protestos violentos são contraproducentes e seguem a estratégia de Trump", escreveu no X.
O deputado Henry Cuellar, do Texas, reforçou que "quando as pessoas começam a atirar tijolos e martelos nas autoridades, isso não é mais protesto — é criminoso".
Trump e apoiadores atacam democratas
Trump, por sua vez, aproveitou o momento para atacar os líderes democratas da Califórnia. Em uma publicação na rede Truth Social, disse que a cidade de Los Angeles "estaria queimando até o chão" sem a presença das tropas federais. A declaração ocorreu durante a comemoração do 250 anos da criação do exército norte-americano.
O republicano ainda acusou o governador Gavin Newsom e a prefeita Karen Bass de permitirem a desordem, e os chamaram de "incompetentes".
Aliados do presidente seguiram na mesma linha. O presidente da Câmara, Mike Johnson, foi ainda mais incisivo.
"Ele está aplaudindo os bandidos e atrapalhando os mocinhos", declarou Mike nessa terça-feira (10/6), durante sua coletiva de imprensa semanal.
Em tom provocativo, ele chegou a dizer que o governador deveria ser "punido com piche e penas". "Ele está atrapalhando a administração e a execução da lei federal. Ele é um participante, um cúmplice."
O senador Kevin Cramer também criticou duramente as políticas da Califórnia, afirmando que o estado ignorou os interesses dos cidadãos americanos ao se posicionar como um refúgio para criminosos. "Não tenho dúvidas de que essa foi uma escolha deliberada", disse. Segundo ele, o presidente está apenas cumprindo o que prometeu aos eleitores durante a campanha.
Vantagem
Os republicanos enxergam a atual disputa como uma vantagem estratégica. Para eles, os democratas caíram em uma armadilha política, justamente em um tema no qual as pesquisas eleitorais mostram maior apoio a Trump.
"O partido se radicalizou tanto que agora vemos importantes líderes democratas defendendo imigrantes ilegais envolvidos em atos violentos, como incêndios de veículos", declarou o governador da Flórida, Ron DeSantis, em entrevista à Fox News nesta segunda-feira (10/6). Ele acrescentou que essa postura ajuda a explicar as dificuldades enfrentadas pelo Partido Democrata no cenário nacional.
Reação democrata
A resposta democrata veio de forma coordenada. O governador Gavin Newsom desafiou publicamente Trump e o ex-diretor do ICE, Tom Homan, após declarações consideradas ameaçadoras. Newsom também buscou alinhamento com parlamentares estaduais e com a liderança da Guarda Nacional da Califórnia diante da intervenção federal.
O governo da Califórnia também processou Donald Trump por violar a soberania estadual, contestando a legalidade do envio de dois mil soldados da Guarda Nacional estadual para Los Angeles.
O processo, apresentado pelo procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, argumenta que Trump ultrapassou os limites de sua autoridade ao mobilizar a Guarda Nacional com base em uma lei que só permite esse tipo de ação federal direta em casos de "invasão" ou "rebelião" contra os Estados Unidos.
A deputada Nancy Pelosi, também da Califórnia, lembrou que o próprio Trump se recusou a mobilizar a Guarda Nacional durante os ataques ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. "Imploramos ao presidente dos Estados Unidos que enviasse a Guarda Nacional. Ele não o fez", afirmou.
O senador Mark Kelly, do Arizona, disse que o envio de tropas agravou uma situação já sob controle: "É como jogar um fósforo no graveto." O deputado Ro Khanna condenou a violência política, mas questionou a legalidade da ação. "Trump mobilizou os militares contra o próprio povo", enfatizou.
Até mesmo em outros estados, como Nova Jersey, houve reações. A deputada Mikie Sherrill, que disputa o governo estadual, disse que o episódio reflete "o nível constante de caos que é gerado quase intencionalmente" pela administração Trump.
Seu adversário nas primárias democratas, Josh Gottheimer, foi na mesma direção, afirmando que a situação "deixa claro o que está em jogo nesta eleição".
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