Porto Velho (RO)13 de Setembro de 202513:54:28
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Rondônia

Humanus Rondonienses: a história que forjou o caráter de Rondônia


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Foto: Reprodução

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Um episódio especial do podcast Põe na Bancada reuniu três mestres em História para discutir como a trajetória de Rondônia explica parte da identidade e das contradições do estado. O título do programa, "Humanus Rondonienses", é assumidamente uma licença poética — não um conceito científico — usada para provocar reflexão sobre a formação histórica e cultural do rondoniense.

Os convidados foram:

- Prof. Aleks Paletot, mestre em História e Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, escritor e apresentador de TV.

- Prof. Beto Reis, mestre em História, educador patrimonial e pesquisador da cultura rondoniense.

- Prof. Luiz Henrique, mestre em História da Amazônia, pesquisador da história local e atuante na saúde indígena.

- A mediação foi feita por Roberto Sobrinho, apresentador do programa.

Povos originários e o equilíbrio rompido

Antes da ferrovia e da borracha, Rondônia era território de múltiplos povos indígenas.

Luiz Henrique: "Aqui já havia inúmeras etnias vivendo em equilíbrio com a floresta. Não era um vazio demográfico. Eles entendem que a floresta é a casa deles, é o seu meio de sobrevivência."

Aleks Paletot: "A cultura indígena ainda está presente em gestos, palavras e costumes do cotidiano, mesmo quando parte da sociedade insiste em negar essa herança."

O sistema de aviamento: a dívida eterna da borracha

O ciclo da borracha trouxe riqueza para poucos e exploração para muitos.

Paletot: "O aviamento era a agiotagem da floresta. O trabalhador pegava comida e ferramentas no armazém e pagava com a borracha, mas a conta nunca fechava. Ele vivia preso ao patrão."

O sistema funcionava assim: seringueiros compravam alimentos e utensílios nos armazéns dos patrões, mas os preços da borracha eram manipulados por esses mesmos patrões. Resultado: a dívida nunca se quitava.

Beto Reis: "Foi uma época de muito sofrimento. Nada era romântico."

Colonização em massa e abandono do Estado

Na década de 1970, o governo federal promoveu um dos maiores fluxos migratórios da história do país.

Paletot: "500 mil pessoas vieram para a Rondônia na época dos projetos de colonização."

A promessa de terra virou frustração: solos não preparados, malária, conflitos fundiários.

Paletot: "Chega uma hora que o governo federal fala assim: não, a gente tem que assentar muita gente, se virem."

Sem apoio técnico, pequenos agricultores perderam suas terras, que logo foram incorporadas por grileiros e grandes proprietários.

Beto Reis: "Rondônia foi feita por sem terras. Ela foi construída por sem terras. Foi uma grande reforma agrária."

João Heberty destacou que esse processo resultou em concentração fundiária e expulsão de comunidades tradicionais.

A perda indígena

O impacto da colonização sobre os povos originários foi devastador.

Beto Reis: "Na década de 30, eram cerca de 80 mil indígenas; na década de 80, apenas 2 mil. Hoje são cerca de 22 mil, mas a cicatriz social e cultural permanece."

Patriarcado e violência contra a mulher

Outro traço persistente da formação histórica de Rondônia é o patriarcado, presente desde os seringais e consolidado no processo de colonização.

Aleks Paletot: "O patriarcado rústico da colonização ajuda a entender por que Rondônia tem índices tão altos de feminicídio."

Luiz Henrique: "Rondônia hoje teve um crescimento agora, em 2025, de mais de 120% de feminicídio. A violência contra a mulher está enraizada numa cultura patriarcal que naturalizou a submissão feminina."

Conservadorismo e juventude

O conservadorismo, segundo Beto, não é apenas político, mas cultural:

Beto Reis: "O conservador seria aquele que defende valores morais e a família tradicional, mas muitas vezes de forma intolerante."

Aleks Paletot: "O conservadorismo nega pautas sociais necessárias, como o debate do feminicídio e do abuso infantil."

Entre os jovens, há divisões: filhos da cidade tendem a valorizar a sustentabilidade, enquanto filhos do campo ainda reproduzem a lógica da derrubada da floresta como progresso.

Roberto Sobrinho: "Hoje já existe um agro que entende que sem floresta não há água, sem água não há produção. Mas também ainda há um agro-predatório, preso ao modelo dos anos 70."

Síntese e reflexão

Para os entrevistados, o Humanus Rondoniense foi forjado em ciclos de violência e exploração: indígenas escravizados, seringueiros endividados, colonos abandonados e mulheres submetidas ao patriarcado.

Mas há sinais de mudança — na juventude, em setores do agro e em movimentos culturais que resgatam identidades como a do beiradeiro.

Roberto Sobrinho: "O humano rondoniense é resultado de um jogo bruto. Reconhecer esse passado é pré-condição para construir um futuro diferente, baseado em equilíbrio ambiental, respeito às minorias e combate ao patriarcado."

Assista ao episódio completo no YouTube:

???? https://youtu.be/f-3X2XpCfkI

????? Rede TV: sábado, 19h30 · TV Cultura: terça, 20:30h



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