Foto: José Soares Neto I Ecovale
O maior berçário de tartarugas de água doce do Brasil sofre uma ameaça silenciosa e preocupante. No coração da Amazônia, o Vale do Guaporé, que faz fronteira com a Bolívia, testemunha um fenômeno que se repete: o atraso significativo no período de desova da tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa). Este gigante quelônio, símbolo da biodiversidade sul-americana, vê seu ciclo reprodutivo ser drasticamente alterado por uma combinação perigosa de fatores ambientais e humanos.
Foto: Eliete Marques I Secom ALE/RO
O Ciclo Perdido: Por que a Desova Atrasou?
O relógio da natureza está dessincronizado. Enquanto o período de desova normalmente ocorre entre agosto e setembro, os anos de 2024 e 2025 registraram um atraso preocupante. Especialistas apontam um cúmulo de causas:
Foto: Ibama I Divulgação
Os Números que Assustam: Uma Queda Livre na População
Os dados do Ibama escancaram a gravidade da situação. Enquanto em 2023 mais de 1,4 milhão de filhotes conseguiram nascer no tabuleiro do Rio Guaporé - o maior do país -, em 2024 a estimativa inicial de 700 mil sobreviventes caiu para a realidade cruel de apenas 350 mil.
A previsão para 2025 não é nada otimista. O biólogo Deyvid Muller soa o alarme: "Os problemas climáticos que ocorreram no último ano transcenderam para este. Com isso, podemos observar que tais impactos têm efeito maior do que se imaginava, pois não afetaram apenas o ano do ocorrido, mas talvez todo um ciclo natural. Não sabemos quando o ciclo voltará ao normal, ou mesmo se voltará".
Uma Corrida Contra o Tempo para Salvar os Filhotes
O atraso na desova cria um efeito dominó. Os filhotes nascem justamente quando o nível do rio está subindo, tornando-se presas fáceis para predadores naturais e para a inundação. Neste cenário desolador, surge um trabalho heroico de resgate.
Foto: Luís Castilhos I Secom ALE/RO
A Associação Comunitária e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), em parceria com o Ibama e um exército de voluntários, atua na linha de frente. "Nossa ideia é aumentar a taxa de sobrevivência desses filhotes", explica José Soares Neto, o "Zeca Lula", fundador da Ecovale. Eles resgatam os filhotes ameaçados pela água, numa tentativa de minimizar uma tragédia anunciada.
Foto: Ana Paula Modesto I Governo de Rondônia
Ameaças Duplas: Além do Clima, a Ação do Homem
Se os elementos naturais já são um desafio e tanto, a ação humana intensifica a crise. A caça predatória das tartarugas adultas e a coleta ilegal de ovos representam uma pressão constante sobre a espécie, que leva 30 anos para atingir a idade adulta e pode viver mais de um século.
Áquilas Mascarenhas, chefe do Cetas de Porto Velho e integrante do Programa Quelônios da Amazônia (PQA), admite a limitação. "Há equipes de fiscalização, mas seria necessária uma rede de apoio maior... O Ibama está priorizando o guarnecimento dos animais e das praias, mas os desafios são imensos".
Foto: Eliete Marques I Secom ALE/RO
O Que Está Sendo Feito? Uma Resposta em Múltiplas Frentes
Diante da emergência, diferentes esferas do poder público mobilizam-se:
Foto: Thyago Lorentz | Secom ALE/RO
Parlamento Estadual: A Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa foi ao local para fiscalizar a situação. O deputado Ismael Crispin destacou o compromisso com a proteção deste "símbolo do nosso estado".
Sedam: A Secretaria Estadual de Meio Ambiente promete intensificar as campanhas educativas contra a caça e as queimadas, além das operações de fiscalização em parceria com a Polícia Ambiental.
Exército Brasileiro: O Pelotão de Fronteira em Costa Marques inclui o combate ao tráfico de animais em suas missões de vigilância na região.
A situação no Vale do Guaporé é um microcosmo de um desafio global. A sobrevivência da majestosa tartaruga-da-Amazônia depende de um equilíbrio frágil, que está sendo rompido. A pergunta que fica no ar, ecoando o alerta dos biólogos, é: será possível reverter este ciclo antes que seja tarde demais?
Com informações: Secom ALE/RO
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