Porto Velho (RO)08 de Agosto de 202505:07:32
EDIÇÃO IMPRESSA
Colunas |

O originalismo contra o ativismo judicial

Por Fernando Borges de Moraes, advogado


A recente criação da associação "Lexum" por parte de juristas brasileiros, da qual passei a fazer parte, visa promover um debate constitucional centrado na liberdade, na separação de poderes e no respeito à legalidade. A iniciativa inaugura um necessário e urgente espaço de discussões na arena jurídica brasileira. Entre as diversas reflexões fomentadas na associação, destaca-se a discussão sobre os limites da atuação judicial e a distinção entre interpretação e construção constitucional. Trata-se de um exemplo da importância de se compreender com precisão os papéis institucionais em uma democracia fundada no Estado de Direito.

Essa distinção conceitual e prática é objeto do ensaio do professor Randy E. Barnett, da Georgetown University Law Center, intitulado Interpretation and Construction (2011), publicado na Harvard Journal of Law & Public Policy. No artigo, Barnett argumenta que interpretar e construir são atividades distintas: a primeira consiste em identificar o significado semântico do texto constitucional no momento de sua promulgação; a segunda, em aplicar esse significado a casos concretos, especialmente quando o texto é vago ou ambíguo.

Segundo o autor, o originalismo é um método de interpretação constitucional baseado na premissa de que o significado das palavras da Constituição foi fixado no tempo. Esse significado, uma vez estabelecido, deve ser respeitado até que seja formalmente alterado por emenda constitucional. Trata-se de uma barreira contra a atuação discricionária dos juízes e uma proteção à soberania popular, pois impede mudanças constitucionais informais feitas pela via judicial.

No entanto, Barnett reconhece que o texto constitucional, por sua natureza generalista, não fornece respostas para todas as situações. Termos como "busca e apreensão razoável" (Quarta Emenda da Constituição dos EUA) são inevitavelmente vagos. Nestes casos, a atuação do juiz não se limita à interpretação. Exige-se um esforço adicional de construção normativa, com a formulação de critérios que viabilizem a aplicação prática da norma.

Ademais, o autor chama atenção para um erro frequente: o de confundir construção com interpretação e de camuflar preferências normativas sob a aparência de leitura textual: uma abertura para o "ativismo judicial". Para Barnett, a honestidade intelectual exige admitir quando se está construindo, ou seja, decidindo à luz de valores e critérios externos ao texto original, e não apenas interpretando. Originalismo, afirma, não é uma teoria sobre o que fazer quando o sentido original se esgota. E isso, segundo ele, não é um defeito, mas uma característica.

Esse reconhecimento lança um desafio adicional: se a construção é inevitável, também será inevitável o debate sobre os critérios normativos que devem guiá-la. Alguns originalistas, por exemplo, adotarão uma presunção de liberdade, exigindo que o Estado justifique toda limitação de direitos individuais. Outros preferirão a deferência ao legislador em casos de vaguidade textual. Mas essas escolhas não estão na Constituição. Derivam de compromissos normativos e, por isso, exigem justificação.

A contribuição de Barnett, debatida com interesse pelos membros da Lexum, reforça a importância de distinguir claramente o que é extraído do texto constitucional e o que é adicionado a ele. Essa distinção não é apenas uma preocupação acadêmica, mas uma salvaguarda institucional absolutamente indispensável. Afinal, em tempos de crescente protagonismo judicial, é preciso garantir que a Constituição continue sendo fundamento legítimo do poder e não um pretexto para sua expansão arbitrária.

 

Portal SGC

PUBLICIDADE
Postagens mais lidas de
Últimas postagens de