Porto Velho (RO)18 de Setembro de 202518:06:55
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A "tarifa zero" no transporte coletivo

Por Fernando Borges de Moraes, advogado


A ideia de transporte coletivo gratuito para todos os cidadãos — a chamada tarifa zero — reaparece ciclicamente no debate público como uma panaceia. Não há dúvida de que eliminar o custo direto da passagem ampliaria o acesso da população, mas a questão central permanece: o custo dessa iniciativa. 

Segundo estimativas recentes da XP Investimentos, a implementação da tarifa zero no transporte coletivo urbano poderia custar até R$ 57 bilhões por ano no Brasil¹. Para efeito de comparação, esse valor supera o gasto federal anual com programas de habitação.

O estudo Mobilidade Urbana e Tarifa Zero evidencia que, em municípios pequenos, a gratuidade pode consumir até 3% do orçamento público, mas em cidades com mais de um milhão de habitantes esse percentual sobe para 5% ou mais. No caso de São Paulo, a ampliação da gratuidade comprometeria entre 10% e 20% do orçamento municipal². Ou seja, ao direcionar tantos recursos para custear integralmente o transporte, inevitavelmente haverá menos dinheiro para saúde, educação e segurança.

Outro ponto crítico é o impacto operacional. Após a implantação da gratuidade, a demanda tende a crescer de 1,2 a 2,5 vezes, exigindo expansão da frota em 30% a 50% e da quilometragem rodada em 40% a 60%³. Isso implica novos motoristas, manutenção mais intensiva e custos crescentes.

A experiência brasileira com o Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo eloquente. Embora gratuito para o usuário, o sistema enfrenta dificuldades estruturais crônicas, desde a superlotação até a demora no atendimento, justamente porque a oferta universal e gratuita pressiona incessantemente o orçamento e a capacidade de gestão. Não é difícil antever que a tarifa zero aplicada ao transporte repetiria problemas semelhantes, com veículos saturados, serviços precários e uma equação financeira cada vez mais insustentável.

Mais grave ainda é que o debate sobre a tarifa zero surge em um contexto de profundo desequilíbrio fiscal do governo federal. O Tesouro Nacional já convive com déficits elevados e dificuldade em cumprir metas de resultado primário. Transferir à União a responsabilidade de subsidiar parte dessa conta, como alguns defendem, significa ampliar ainda mais o rombo das contas públicas e comprometer a credibilidade fiscal do país. Em outras palavras, a tarifa zero não apenas desequilibra os orçamentos municipais, mas também se soma ao problema crônico do déficit estrutural da União.

Não se trata, portanto, de negar a relevância da proposta em benefício do transporte público, mas de enfrentar com realismo seus custos e limites. O subsídio parcial e a gratuidade focada em grupos específicos — idosos, estudantes, pessoas com deficiência — são alternativas mais racionais, pois permitem conciliar o acesso com a sustentabilidade do sistema⁴.

A tarifa zero pode soar como um ideal de inclusão, mas, nas condições brasileiras, corre o risco de se transformar em um populismo fiscalmente insustentável, sacrificando políticas essenciais em nome de um benefício difuso. O verdadeiro desafio está em tornar o transporte coletivo eficiente, dotado de segurança jurídica e financeiramente viável, sem repetir os impasses já vividos por outros serviços públicos universais.



Notas:

 1. InfoMoney. Proposta de tarifa gratuita de ônibus pode custar até R$ 57 bi por ano, estima XP. Publicado em 05 set. 2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/economia/proposta-de-tarifa-gratuita-de-onibus-pode-custar-ate-r-57-bi-por-ano-estima-xp/. Acesso em: 16 set. 2025.

 2. E-Book Mobilidade Urbana e Tarifa Zero. São Paulo: NTU, 2023, p. 33-41.

 3. Idem, p. 42-45.

 4. Idem, p. 78-82.

Portal SGC

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