Com a promulgação da Lei nº 3.173/1957, que criou a Zona Franca de Manaus inicialmente como um centro logístico e comercial estratégico para armazenar, conservar, beneficiar e distribuir mercadorias estrangeiras destinadas ao consumo interno da Amazônia e países vizinhos, o governo federal iniciava, na porção ocidental da Amazônia, a política de valorização econômica da Amazônia definida no Art. 199 da Constituição Federal, com autorização para realizar as operações de crédito necessárias para custeio das despesas com os serviços e encargos que fossem projetados.
A lei determinou a demarcação de uma área mínima de 200 hectares na margem esquerda do rio Negro, incluindo uma faixa d’água adjacente de 200 metros de largura, com condições adequadas de calado e acostagem. Nessa área, era permitido o estacionamento de embarcações e alvarengas (balsas) convertidas em depósitos provisórios de mercadorias, todas sujeitas ao mesmo regime fiscal da Zona Franca. A vida que se desenvolvia sobre as águas dinamizou ainda mais a baía do rio Negro, que vinha sendo gradualmente ocupada pela chamada "cidade flutuante" desde a década de 1920, processo que se intensificou com o aumento da movimentação portuária após a implantação da Zona Franca de Manaus (Figura 1).
Figura 1: Cidade Flutuante de Manaus, em 1960
Fonte: Foto de Corrêa Lima. Acervo: Eduardo Braga.
Disponível em Instituto Durango Duarte - IDD.
O projeto previa a construção de instalações portuárias, armazéns terrestres e cais flutuantes adaptados à variação do nível das águas amazônicas. Também foi autorizada a instalação de depósitos e indústrias de beneficiamento por iniciativa privada, com isenção de impostos federais, estaduais e municipais para mercadorias estrangeiras enquanto permanecessem na zona franca. A ilha de Marapatá, em frente a Manaus, foi estudada como área complementar para produtos não perecíveis.
A regulamentação da ZFM só ocorreu três anos depois, com o Decreto nº 47.757/1960, que definiu sua natureza jurídica como serviço estatal delegado — atualmente uma autarquia — com autonomia administrativa, personalidade jurídica própria e vinculação ao Ministério da Fazenda.
O governo federal ficou responsável pela demarcação da área e pela construção das estruturas portuárias, o que, na prática, não se concretizou. Coube ao governo estadual doar ou desapropriar as terras necessárias, numa parceria essencial para viabilizar o projeto, que exigia articulação logística e jurídica complexa. A administração da Zona Franca foi atribuída a uma Superintendência, subordinada a um Conselho Deliberativo composto por cinco membros nomeados pelo Presidente da República:
• Inspetor da Alfândega de Manaus (Ministério da Fazenda);
• Chefe do Primeiro Distrito de Portos, Rios e Canais (Ministério da Viação e Obras Públicas);
• Representante do Governo do Estado do Amazonas;
• Representante da Associação Comercial do Amazonas - ACA; e
• Representante da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia - SPVEA
O primeiro superintendente, Antônio Assmar, nomeado em 03/08/1960 e empossado em 05/09/1960, celebrou acordos com a Manaus Harbour Limited, concessionária do porto, para uso de seus armazéns na instalação da Zona Franca. A sede administrativa inicial foi a Inspetoria da Alfândega de Manaus, funcionando como uma aduana federal, responsável pelas vistorias nas embarcações e pelo controle de acesso à área da Zona Franca no porto. Os incentivos fiscais iniciais incluíam:
• Dispensa de Licença de Importação para produtos destinados ao entreposto;
• Isenção de impostos federais, estaduais e municipais enquanto as mercadorias permanecessem no depósito ou fossem remetidas ao exterior;
• Benefícios fiscais para materiais e equipamentos destinados à instalação de indústrias de beneficiamento; e
• Autorização para abertura de casas comerciais voltadas à venda de gêneros alimentícios nacionais, com incentivos fiscais;
Durango Duarte, em Manaus Série 1960, retrata as transformações vividas por uma cidade com pouco mais de 300 mil habitantes, impulsionadas pela instalação da ZFM. Entre elas, destacam-se:
• Criação da Companhia Amazonense de Telefonia (CAMTEL);
• Implantação do serviço de Teletipo com conexão direta à Capital da República (Guanabara);
• Fundação do Banco do Estado do Amazonas (BEA);
• Criação do Corpo de Bombeiros;
• Construção dos principais hotéis voltados ao turismo e às missões empresariais (Lord, Líder e Paris);
• Início da urbanização e da regularização fundiária além do centro de Manaus.
A instalação de armazéns e serviços portuários gerou empregos diretos e indiretos, e a movimentação de mercadorias estrangeiras aumentou a arrecadação com taxas de armazenagem e serviços logísticos. No entanto, entre 1957 e 1966, não houve um programa robusto de industrialização ou construção de um complexo logístico de grande porte. As ações se limitaram a arrendamentos e à instalação de entrepostos privados nas margens do rio, além de obras portuárias pontuais e adaptações nos cais.
Ainda assim, esse período foi fundamental para preparar institucionalmente o ambiente de negócios que, a partir de 1967, seria transformado com a ampliação do modelo da Zona Franca pelo Decreto-Lei nº 288.
No próximo editorial, passaremos a tratar sobre a segunda fase do Marco Regulatório da Zona Franca e as iniciativas para a ampliação dos Incentivos Fiscais pelo Decreto-lei nº 288, de 1967.
Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.
Referências citadas:
BRASIL. Decreto nº 47.757, de 1960. Regulamenta a Lei nº 3.173, de 1957. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D47757impressao.htm. Acesso em: 02 out 2025.
_____. Lei nº 3.173, de 1957. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L3173.htm. Acesso em: 02 out 2025.
CÂMARA FEDERAL. Projeto de Lei nº 1.310, de 1951. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1220464&filename=Dossie-PL%201310/1951. Acesso em: 10 set 2025.
DUARTE, Durango. Coletânea Manaus Série 1960. Manaus: IDD, 2009. Disponível em: https://idd.org.br/livros/coletanea-manaus-serie-1960/. Acesso em 02 out 2025.
_____. Iconografia: cidade flutuante na década de 1960. Disponível em: https://idd.org.br/iconografia/cidade-flutuante-na-decada-de-1960/. Acesso em: 02 out 2025.
SUFRAMA. Galeria dos Ex-Superintendentes. Disponível em: https://www.gov.br/suframa/pt-br/assuntos/historia-da-zona-franca/galeria_exsuper. Acesso em: 02 out 2025.
_____. História da Zona Franca de Manaus. Disponível em: https://www.gov.br/suframa/pt-br/assuntos/historia-da-zona-franca. Acesso em: 02 out 2025.
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