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A história de Porto Velho é marcada por contradições entre ambição e limitação, um enredo que não cabe em triunfalismos nem em derrotismos. Nascida do impulso da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do Século XX, a cidade surgiu como entreposto no Rio Madeira, atraindo trabalhadores pelo ciclo da borracha e pelo sonho de integrar a Amazônia ao país.
A própria construção da ferrovia, custosa em vidas e marcada por desafios climáticos, mostra que a origem da cidade combina mito e sofrimento. À medida que os trilhos avançavam, Porto Velho tornou-se uma "cidade empresa", dividida entre concessão americana e áreas brasileiras, com costumes e poderes paralelos. Quando o ciclo da borracha se esgotou, entre guerras mundiais, a cidade mergulhou em perdas econômicas e incertezas.
O marco de 2 de outubro de 1914, data da instalação oficial do município, reforça o início da trajetória política e administrativa da capital. Mais tarde, com a criação do Território Federal do Guaporé, em 1943, Porto Velho assumiu novo papel institucional. Já em 1982, ao ser elevado Rondônia à condição de estado, a capital se consolidara como polo administrativo e de serviços. Nas décadas seguintes, expandiu-se como destino de migrações internas e diversificou a economia, incluindo agricultura, comércio, serviços e extrativismo.
Hoje, Porto Velho revela fortes contrastes: é a capital mais extensa do Brasil, faz fronteira com a Bolívia e domina politicamente o estado. Mas enfrenta sérias deficiências de saneamento, desigualdades sociais e altos índices de criminalidade. Ao mesmo tempo, busca valorizar a memória com museus e revitalizações, como o Memorial Marechal Rondon e o Espaço Alternativo, para reforçar identidade cultural.
O crescimento urbano acelerado, contudo, expõe fragilidades em infraestrutura, transporte, habitação e meio ambiente. A pressão sobre a floresta, o uso da hidrovia do Madeira e a atividade portuária fazem da capital peça estratégica da logística amazônica, impondo responsabilidades ambientais e sociais que ultrapassam fronteiras municipais. A ferrovia, origem simbólica, hoje é apenas memória e patrimônio, mostrando como a cidade se reinventou.
Porto Velho vive um momento decisivo: não basta crescer, é preciso amadurecer. O passado da ferrovia e da borracha tem valor simbólico, mas não deve encobrir déficits sociais e ambientais atuais. É necessário que lideranças, sociedade civil e setor privado invistam em desenvolvimento inclusivo, com prioridade para saneamento, educação, mobilidade e planejamento urbano. Ao mesmo tempo, preservar a memória histórica é essencial para fortalecer identidade e dar protagonismo cultural.
Se Porto Velho quiser ser referência no Norte, deve buscar não apenas crescimento econômico, mas um futuro com dignidade, justiça social e equilíbrio ecológico. A história precisa ser lembrada e criticada, para que o amanhã não repita os erros do passado.
Diário da Amazônia