Porto Velho (RO)05 de Novembro de 202510:40:45
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Diário da Amazônia

O impasse das terras: quando a indefinição administrativa amplia conflitos

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Rondoniagora

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A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que manteve a posse de famílias rurais em Rondônia e suspendeu ordens de desocupação reforça a complexidade da política fundiária na Amazônia Legal. A medida, de caráter liminar, protege provisoriamente grupos que alegam ocupação antiga e produtiva em áreas rurais, ao mesmo tempo em que impõe limites às ações de retirada conduzidas por órgãos federais.

A disputa por terras no interior amazônico é marcada por sobreposições históricas, falhas administrativas e indefinições jurídicas. Nas últimas décadas, programas de colonização, assentamentos oficiais e processos de demarcação se expandiram sem critérios uniformes. O resultado é um mosaico de registros, títulos e posses sobrepostos, que hoje sustentam litígios complexos entre agricultores, comunidades tradicionais e o Estado.

A decisão do tribunal não encerra o conflito, mas suspende seus efeitos mais imediatos. Ao impedir remoções sumárias, a Justiça reconhece o risco social envolvido em ações de desintrusão. Famílias estabelecidas há décadas, com produção e moradia, não podem ser tratadas da mesma forma que invasores recentes. Por outro lado, o direito territorial das comunidades indígenas e a proteção ambiental permanecem princípios constitucionais que o Estado deve resguardar.

O equilíbrio entre esses direitos exige rigor técnico e transparência. A ausência de critérios claros na demarcação e na emissão de títulos rurais contribui para a insegurança jurídica. Em muitos casos, isso permite a atuação simultânea de diferentes órgãos, cada um amparado por normas específicas, mas com efeitos contraditórios.

Os embargos coletivos ampliam essa instabilidade. Ao adotar medidas preventivas sem individualização de condutas, o Estado penaliza indistintamente produtores, assentados e ocupantes legais. A falta de base processual e a ausência de diálogo institucional transformam ações ambientais em fatores de conflito, quando deveriam servir à proteção racional dos recursos naturais.

Cabe às instâncias federais e estaduais construir um processo de revisão que garanta segurança jurídica sem comprometer a proteção socioambiental. É preciso assegurar que as demarcações sejam realizadas com base em laudos técnicos consistentes, participação das partes e observância das etapas legais. O mesmo vale para os embargos e restrições administrativas, que devem respeitar o devido processo e evitar punições coletivas.

O impasse atual revela a necessidade de uma política de terras integrada, que concilie regularização fundiária, sustentabilidade e direitos das populações tradicionais. A Amazônia não comporta decisões fragmentadas. Sem planejamento, cada ato administrativo, mesmo amparado em lei, produz repercussões econômicas e sociais que se acumulam em um cenário de insegurança.

A decisão mostra a importância da prudência judicial diante de disputas territoriais que envolvem múltiplos direitos. Não se trata de definir vencedores ou vencidos, mas de assegurar que o Estado atue dentro dos limites da legalidade e da razoabilidade. Enquanto não houver políticas públicas consistentes, a Justiça continuará sendo o último recurso para equilibrar interesses que o poder público deveria harmonizar por meio do diálogo.

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